segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O relógio luminoso do galalau

Pois o fato deu-se no início dos anos 1970, aqueles anos confusos e cheios de infames tontices que nos remetem à vergonha por atraso, das espalhafatoas coisas que fazíamos, com a insensata noção de que éramos felizes. E pior, que éramos mesmo, ainda que imbecis de marca maior. Veja o caso.
Era comum que Elisabeth Rosenfeld e Erich, seu espso, donos do Artesanato Gramadense, realizassem alguns eventos no ano, regados a churrasco e laranjada, e foi num nesses eventos, que ao fim da tarde, a rapaziada decidiu esticar a noite em uma bailanta de interior, bastante comum no município, naqueles tempos. E se não me falha a memória, foi, ou na Linha Bonita, ou na Linha Nova o baile. E, como minha mãe fazia parte da equipe de trabalho do Artesanato, eu me engajava às benesses da situação. e por fim, lá estava eu, por volta da meia noite, vestido à caráter, de terno e gravata, perscrutando o ambiente, à cata de uma sedutor moçoila para convidá-la a dançar.
Ocorre que nesse tempo, enos bailes de interior, o método de convidar, ou "tirar" para dançar, uma moça, era uma aproximação, pois geralmente ficavam de pé, aos pares, posto que não era de bom tom uma moça sozinha em um salão de baile, e para que fosse convidada a dançar, precisava estar de pé, pois as que estivessem assentadas, estariam necessariamente acompanhadas, e não disponíveis aos afagos da dança. Entao, com meu sensor ligado, ajustando o cronômetro para alguém da minha faixa etária, localizei a vitim..., digo, a mocinha, e direcionei o leme rumo ao cantinho de onde estavam, ela, e sua companheira.  Assim, chegando postava-me diante delas, cumprimentando-as sorridente, mas não arreganhado, pois isso não era de bom tom, e delicadamente, batia palmas quase idaudíveis, mas à vista de todos, demonstrando minha intenção, ao que fui aquiescido pela bela dama.

Já na pista de dança, empenhei-me ao máximo em demonstrar que eu estava usando meu relógio novo, cm ponteiros luminosos, radiativos, do tido que foi banido, alguns anos depois, por ser cancerígeno. Mas eu não sabia, e minha expressão de felicidade deixava claro que ostentar um relógio deste calibre, era uma referência de elegãncia e modernidade. E assim, de minuto em minuto, entre uma volta e um rodopio na dança, eu esticava o braço e relatava as horas, até o momento em que segredei no ouvido da moça que aquele relógio mostrava as horas até mesmo no escuro. Então, abruptamente ela fechaou a tex, amarrou a cara, agradeceu pela dança, e saiu pisando duto, de volta ao seu cantinho, dispondo-se a aceitar rodopiar com o próximo pé de valsa menos atrevido.

Eu não estava galanteando, ou assediando, ou melhor dito: Cantando a moça! Não estava mesmo. Eu só queria mostrar meu relógio luminoso. Dou minha palavra! Era tão bonito ver as horas no escuro.


Pacard
Escritor, contador de causos, e pé-de-valsa atrapalhado



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