Em meados dos anos 90, tive um sócio que era um furacão nas vendas. Vendia gelo pra esquimó, seguro pra casa pegando fogo, e o que aparecesse na frente, ele arrumava comprador. Algum tempo depois,, por outros motivos, nos incompatibilizamos, e a sociedade acabou. Mas guardo lembranças pitorescas desse tempo, e uma destas lembranças remete a um cliente, "osso duro" de negociar, bem pouco acessível, até então, até que um dia, meu sócio chegou decidido na editora, e disse:
- "Paulinho! Hoje nós dois vamos vender um anúncio para o Dr. Celso Bertolucci!" (Celso Bertoluci, engenheiro, além de ter sido o responsável pelo projeto do Cine Embaixador, hoje Palácio dos festivais, era também proprietário do Hotel Serrano, em Gramado).
- "Boa sorte!" - Falei. Mas é muito difícil chegar nele com uma proposta. Mas, se insiste, vamos lá, juntos.
E fomos. Chegando lá, encontramos a famosa barreira da secretária-recepcionista, uma jovem morena, gentil, que fez a terrível pergunta:
- "Qual seria o assunto com o Dr. Celso? Ele vai perguntar, já que não marcaram hora!"
Fiquei sem reação, pois dizer que queríamos vender algo que ele não tivesse solicitado. Meu sócio, percebeu, e com um tirocínio de felino, imediatamente, respondeu à moça:
- "Diga ao Dr. Celso que viemos trazer um dinheirinho pra ele!"
Ela riu, elegantemente, e ao telefone, transmitiu a mensagem. Ele mandou que subíssemos até sua sala.
No caminho, rapidamente tive uma áurea inspiração, e parei meu sócio:
- "Dê-me uma moedinha!" - Falei.
Ele meteu a mão no bolso e me entregou uma moedinha de baixo valor. Fechei a mão, e prosseguimos.
Chegando na sala, estava ele, Dr. Celso, na porta, com ar imponente, com o braço estendido, e a mão aberta, à espera do tal "dinheirinho", prometido. Coloquei a moedinha na mão dele, que olhando com determinação para a moeda, fechou a mão, guardou no bolso, e nos convidou a entrar.
Vendemos o anúncio!
Desse dia em diante, tornei-me amigo do casal Celso e Nélide (ela era artista plástica, autora daquele monumento em frente à Igreja de Pedra, em Gramado). Mais tarde, já desfeita a sociedade, a revista mudou de nome, e eu mantinha na revista, uma coluna chamada: "Nosso gourmet recomenda", onde naturalmente eu passava um pente fino na gastronomia de Gramado, o que fez render-me grandes amigos e ferozes inimigos nesse tempo. Celso, um dia, ligou e me perguntou a razão do restaurante dele não ter sido mencionado ainda na revista. Falei que é porque eu não tinha provado suas especiarias (não era bem verdade, pois anos antes eu era assíduo nos eventos do hotel), e fui então convidado para um jantar lá. Imaginei que seria recebido como costumeiramente em outros locais, e no máximo, receberia uma sobremesa de cortesia. Nada disso acontece. Quando cheguei, lá estavam Celso e Nélide, elegantemente vestidos, em uma mesa especialmente preparada para mim, e meus convidados, que fiz questão de ser acompanhado, e fomos tratados com uma cortesia própria de pessoas elegantes, que eram eles (eu, nem tanto assim).
São momentos assim, em minhas lembranças que me fazem crer que, ao contrário do que apregoam os "profetas do terror", Gramado tem uma essência gentil, encontrada apenas em pessoas que tem na hospitalidade o grande patrimônio social.
Foto de Nélide Bertolucci*
Pacard
Designer - Escritor - Contador de Causos
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